Este arquivo abrange e reflete os diversos períodos do percurso pessoal e profissional de Felicidade Alves, desde a sua infância até ao seu falecimento.
É composto por documentação relativa à sua carreira sacerdotal, e em particular da sua atividade como pároco da freguesia de Santa Maria Belém, documentos que ilustram o período que marcou o afastamento de Felicidade Alves da Igreja, incluindo a edição dos cadernos GEDOC, bem como a prisão pela PIDE e posterior julgamento, e ainda documentos alusivos ao processo de Felicidade Alves para obter da hierarquia católica o reconhecimento do seu casamento pela via canónica, autorizado quase trinta anos depois do respetivo ato civil.
Destaca-se a existência de diversos manuscritos e outros estudos e ensaios de carácter teológico, histórico e literário, alguns dos quais estiveram na base de obras já editadas, e outros ainda inéditos. Destes últimos, ressalta-se o "Roteiro da Produção Literária Portuguesa no Século XVI", tema a que Felicidade Alves se dedicou desde 1981.
Felicidade Alves era ainda detentor de uma biblioteca constituída por diversos livros e periódicos, de interesse maioritariamente eclesial, os quais foram doados após a sua morte à Biblioteca da Universidade Católica.
Fundação Mário Soares e Maria BarrosoPadre.
José da Felicidade Alves nasceu em Vale da Quinta, freguesia de Salir de Matos, Caldas da Rainha, a 11 de março de 1925. Filho de Joaquim Alves e Maria Felicidade. Todavia, o seu nascimento foi registado em 24 de março, data constante nos seus documentos de identificação.
Após a instrução primária, entrou para o seminário com 11 anos. Em 1948 foi ordenado sacerdote. Destacando-se pela sua inteligência, foi colocado como professor no Seminário de Almada, e depois no dos Olivais.
Em 1956 foi nomeado pároco de Santa Maria de Belém, em Lisboa, onde se evidenciou pelo conteúdo das suas homilias, nas quais abordava temas incómodos ao poder político e ao eclesiástico como a guerra colonial, a perseguição política, ou os problemas sociais.
Solidário com o grupo de católicos mais progressistas, o percurso de Felicidade Alves ficou definitivamente marcado após a comunicação que proferiu ao Conselho Paroquial de Belém, em 19 de abril de 1968, na presença de várias dezenas de pessoas.
Sob o tema "Perspectivas actuais de transformação nas estruturas da Igreja", a comunicação de Felicidade Alves punha em causa a forma como a Igreja se apresentava à sociedade, a sua organização, e mesmo a maneira como eram transmitidos os ensinamentos cristãos e a abordagem da própria figura de Deus.
Defendendo uma profunda renovação da Igreja e das suas estruturas, as ideias de Felicidade Alves desagradaram ao cardeal Cerejeira. Em consequência, foi-lhe movido um longo processo que determinou, em novembro de 1968, o afastamento das suas funções de pároco em Santa Maria de Belém, e, mais tarde, a suspensão das suas funções sacerdotais, terminando, em 1970, com a sua excomunhão.
Após o afastamento da paróquia de Belém, Felicidade Alves tornou-se no grande impulsionador, em conjunto com Nuno Teotónio Pereira e o padre Abílio Tavares Cardoso, da publicação dos Cadernos GEDOC, de que saíram onze números, entre 1969 e 1970. Abordando criticamente questões ligadas à hierarquia católica e à guerra colonial, a publicação foi condenada pelo Cardeal Cerejeira e considerada ilegal pela PIDE, sendo instaurado um processo aos seus responsáveis, de que resultará, em 19 de maio de 1970, a prisão de Felicidade Alves por “actividades contrárias à segurança do Estado”.
Felicidade Alves publicou também, em 1969, a obra “Católicos e Política”, na qual coligiu inúmeros documentos sobre as relações entre os católicos, a Igreja e o Estado, desde a campanha do general Humberto Delgado, em 1958, até à chegada ao poder de Marcelo Caetano.
Em 1970 redigiu as obras “Pessoas Livres” e “É Preciso Nascer de Novo”. Nesta última Felicidade Alves refletiu sobre o casamento, pouco antes de tomar a decisão de se casar civilmente. Em 1 de agosto daquele ano casou com Maria Elisete, nas Caldas da Rainha.
Depois do 25 de Abril de 1974, Felicidade Alves irá aderir ao PCP, onde se manteve até morrer.
Afastado da Igreja, Felicidade Alves trabalhou em diversas empresas, como o Anuário Comercial e a editora Livros Horizonte. Continuará a sua produção literária, publicando estudos de natureza teológica e pastoral, mas também de carácter histórico. Publicou, por exemplo, um conjunto de estudos originais sobre o Mosteiro dos Jerónimos, coordenou uma coleção relativa à obra de Francisco de Holanda, e uma outra edição de textos históricos sobre a cidade de Lisboa. A sua atividade bibliográfica foi premiada pela Academia Nacional de Belas Artes, que o tornou seu académico em 1994.
Em 10 de junho de 1994, foi agraciado com a Comenda da Ordem da Liberdade, pelo então Presidente da República Mário Soares. No ano seguinte recebeu o prémio Júlio de Castilho de Olisopografia, atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa.
Tendo casado civilmente em 1970, Felicidade Alves realizou o seu casamento pela Igreja em 10 de junho de 1998, a poucos meses do seu falecimento, e na sequência de um longo processo de redução ao estado laical junto do Vaticano, sendo o ato celebrado pelo Cardeal Patricarca D. José Policarpo.
Morreu a 14 de dezembro de 1998.
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