Quando Mário Neves, com apenas 24 anos, e ainda estudante de Direito, foi incumbido da sua primeira e derradeira prova como repórter do Diário de Lisboa, nunca iria imaginar as repercussões internacionais que iria ter o seu testemunho da tomada violenta de Badajoz por parte das tropas nacionalistas.
A “Matança de Badajoz” foi presenciada em primeira mão por três jornalistas: Reynolds Packard, da United Press, Jacques Berthet, do Temps, acompanhados por Mário Neves. Estes jornalistas, e mais tarde Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, foram os primeiros a denunciar a violência e a “inflexível justiça militar” realizada pelo Exército de África, comandado pelo tenente-coronel Yagüe.
Estes testemunhos directos e oculares iriam ter um impacto muito forte na imagem que os rebeldes nacionalistas queriam dar ao mundo, de libertadores da barbárie e da anarquia.
Para Mário Neves significou a última oportunidade de apresentar a verdade, já que depois do seu artigo de 16 de Agosto de 1936, a crónica do dia seguinte foi integralmente censurada e ele próprio envolvido numa polémica internacional sobre a veracidade dos relatos, que se arrasta até aos nossos dias.
Se em Portugal a faceta violenta do Exército de África foi facilmente neutralizado pela censura, no estrangeiro as repercussões foram enormes, e o Governo Português foi associado e condenado pela colaboração com a facção nacionalista, num período em que ainda estava a ser delineada a política de “neutralidade” assumida oficialmente por Salazar.
A polémica surgiu com a publicação em 1937 do livro The epic of the Alcazar: A History of the siege of the Toledo Alcazar, do comandante inglês Geoffrey McNeill-Moss, que continha um capítulo intitulado “The legend of Badajoz” onde o autor, utilizando tendenciosamente as crónicas de Mário Neves, através da sua transcrição parcial e fragmentada, as compara com as crónicas dos seus colegas franceses e norte americano, procurando contradições nelas, tendo em vista desmentir o próprio massacre de Badajoz.
Mário Neves viu-se assim envolvido involuntariamente num processo de manipulação da verdade histórica, o que o levou a escrever uma carta ao director do Diário de Lisboa, publicada no dia 6 de Dezembro de 1937, onde, apesar da censura, é bem claro sobre a indignação provocada por aquele autor, que “não teve escrúpulos em transcrever um artigo [de Mário Neves] a que subtraíu precisamente passagens que não lhe convinham, sem fazer sequer referência às mutilações”, visando retirar credibilidade aos colegas que “procederam com a mesma preocupação de honestidade profissional que me norteou.”
Esta manipulação foi claramente posta em causa em 1937 por Arthur Koestler, também jornalista, correspondente do News Chronicle, no livro Dialogue with death – A Spanish Testament. A polémica foi mais tarde retomada, em 1963, por Herbert Southworth, no seu livro El Mito de la cruzada de Franco, onde estuda as deturpações da propaganda franquista que visava encobrir as atrocidades cometidas. Segundo o próprio Mário Neves, o livro de Southworth foi o mais conseguido na aclaração dos acontecimentos de Badajoz. Foi também onde se publicou pela primeira vez o artigo censurado de Mário Neves, que fechava a crónica da tomada da cidade. Outros autores, como Hugh Thomas, apoiaram a narrativa presencial de Mário Neves, amplamente confirmada pela mais recente historiografia – apesar do manifesto incómodo das versões “nacionalistas” que periodicamente voltam a pôr em causa, sem argumentos válidos, a veracidade do seu testemunho.
A firme promessa feita naquele último artigo censurado de que não mais voltaria a Badajoz foi quebrada em Maio de 1982 por Mário Neves, quando se dirigiu à cidade dos seus tormentos com uma equipe de televisão britânica para prestar o seu testemunho sobre os trágicos acontecimentos por ele presenciados, testemunho que entendeu como um dever para o apuramento da verdade histórica e a preservação da Memória, deixando-nos ainda o livro “A Matança de Badajoz”.