Reunião de dirigentes da FRELIMO e intelectuais moçambicanos com o Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere

Moçambique

Moçambique constituía o segundo maior território português ultramarino e, a par de Angola, possuía uma relevante comunidade de colonos portugueses, aliás em expansão económica a partir da década de 1960. Contudo, ao contrário de Angola, a luta no campo militar contra o domínio colonial tinha tido apenas um protagonista, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), que iniciou as hostilidades em 1964, dois anos após a sua fundação.

A guerra em Moçambique, à data da revolução de Abril, era uma realidade relativamente distante dos grandes centros urbanos, pese embora, dada a extensão do território, a guerrilha estivesse muito longe de se poder considerar irrelevante. Aliás, principalmente a partir de 1970, a FRELIMO, até então confinada ao Norte do território, intensificou progressivamente as suas acções para Sul, aproximando-se cada vez mais dos grandes centros populacionais.

Déclaration du Comité Exécutif du Front de Libération du Mozambique (FRELIMO) sur les Évènements au Portugal

No imediato, contudo, a situação era confusa. Pimentel dos Santos, o governador-geral, esboçou alguma resistência, mas foi neutralizado e afastado do seu cargo no dia 27 de Abril. Perante um MFA local fraco, a FRELIMO intensificou os seus ataques, abrindo inclusive uma nova frente na Zambézia, ao mesmo tempo que Costa Gomes, em visita ao território em Maio, deu instruções para que as acções se limitassem a operações defensivas, ocorrendo mesmo alguns cessar-fogos de iniciativa local. Paralelamente, Jorge Jardim, um empresário português radicado no território, tinha já proposto em 1973 a Marcello Caetano o seu “Programa de Lusaka”, negociado com Kenneth Kaunda, Presidente da Zâmbia, e Hastings Banda, do Malawi, que preconizava a instalação em Moçambique de um governo multipartidário com poderes, a receber num futuro não definido, de optar pela independência total, mas sob alçada da metrópole – o plano foi rejeitado por Marcello (e pela FRELIMO), mas Jardim permaneceu, no imediato, uma força poderosa a ter em conta, transfigurando-se numa espécie de representante da via federalista defendida por Spínola.

É neste cenário que começaram os primeiros contactos informais. Em Junho de 1974, Mário Soares encontrou-se em Lusaca com Samora Machel, o presidente da FRELIMO, mas com margem negocial reduzida para além de um eventual cessar-fogo, as negociações bloquearam. Para Machel, a via era clara: a FRELIMO, como único representante moçambicano nas negociações (perante um cenário em que múltiplas organizações surgiam, a par de outras pré-existentes, como a COREMO ou a GUMO), exigia independência total e sem demoras.

Mário Soares e Samora Machel em Lusaka, 8 de Junho de 1974

Entretanto, e já sob os auspícios da Lei Constitucional 7/74, de 26 de Julho, foi o próprio Melo Antunes, com a autoridade que o MFA lhe conferia, que se deslocou a Dar-es-Salam entre 30 de Julho e 2 de Agosto, estabelecendo um quadro geral para a transferência de poderes, reproduzindo mais ou menos os termos avançados pela FRELIMO na reunião de Junho. Este encontro abriu o caminho para descolonização rápida, sem referendo, com a FRELIMO como legítimo representante do povo moçambicano. Assim, algumas semanas depois, já com Almeida Santos e Mário Soares, acertaram-se os detalhes, ainda em Dar-es-Salam, e, a 7 de Setembro, em Lusaca, o acordo final foi assinado, prevendo a nomeação de um governo de transição e a independência para 25 de Junho de 1975 – só então seria atingido oficialmente o cessar-fogo.

O governo de transição tomou posse no dia 20 de Setembro, sendo constituído por um Primeiro-Ministro (Joaquim Chissano), seis ministros indicados pela FRELIMO e três por Portugal. Os acordos de Lusaca previram igualmente a figura de um Alto-Comissário, com funções equivalentes às de Chefe de Estado, cargo assumido por Vítor Crespo.

Vitor Crespo com os membros do governo de transição de Moçambique.

A transição seria contudo bastante conturbada. Nos dias e meses seguintes à assinatura dos acordos, ocorreram inúmeras revoltas entre a comunidade branca, de que se destaca a ocupação, no próprio dia do Acordo de Lusaca, da Rádio Clube de Moçambique por partidários de uma independência branca, inspirada no modelo rodesiano. Mais do que mortos e feridos, talvez o número mais importante diga respeito ao êxodo ocorrido na colónia branca: cerca de 160.000 entre 1974 e 1977 deixaram o país (em 1974 viviam em Moçambique cerca de 200.000), principalmente rumo à metrópole (os chamados “retornados”, embora muitos deles tivessem nascido em Moçambique), mas também à vizinha África do Sul, com a qual mantinham relações económicas privilegiadas.