Delegados portugueses e angolanos (dos três movimentos) nos Encontros de Alvor.
Angola
O processo de independência e descolonização angolano foi de todos o mais complicado. Militarmente, a situação estava relativamente controlada pelo exército português, com um dispositivo de cerca de 60.000 homens no terreno. Contudo, as forças portuguesas debatiam-se contra três movimentos armados rivais entre si – Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) – com diferentes, e igualmente rivais, apoios internacionais e nacionais (étnicos e não só). Por outro lado, tratava-se da maior colónia portuguesa, em termos geográficos, populacionais, e de importância económica – Angola estivera desde cedo no centro das diferentes políticas metropolitanas, e foi em grande parte em seu torno que se construíra a doutrina do espaço económico português a partir da década de 1960.
Delegação do MPLA nos Encontros de Alvor
Representantes da UNITA nos Encontros de Alvor.
Reunião da comissão de Descolonização com delegações dos diferentes movimentos de libertação de Angola
O 25 de Abril encontrou o MPLA com graves problemas internos, dividido em três facções, lideradas por Agostinho Neto, Daniel Chipenda e Mário Pinto de Andrade. Após um congresso infrutífero nos arredores de Lusaca, e um entendimento de pouca dura em Brazzaville, Chipenda afastou-se e iniciou contactos com a FNLA, que entretanto, e fortemente ancorada no Zaire de Mobutu, reassumiu o primeiro plano no campo militar. Quando o Almirante Rosa Coutinho chegou a Angola em finais de Julho de 1974, como presidente da junta governativa, a UNITA já tinha acordado um cessar-fogo com as forças portuguesas no terreno.
Também no caso de Angola foram evidentes as divergências e tensões entre a estratégia federalista de Spínola, que tentou mobilizar as “forças vivas” da comunidade branca para o processo, e o apoio do MFA (local e nacional) a uma independência rápida negociada com os movimentos de libertação. A 11 de Junho Spínola nomeou como governador Silvino Silvério Marques, rapidamente rejeitado pelo MFA local, que nada obsta à sua substituição pelo já referido Rosa Coutinho. É igualmente neste contexto que, a 18 de Setembro, três dias depois de um polémico encontro entre Spínola e Mobutu Sese Seko na ilha do Sal, se realizou uma reunião em Luanda com cerca de 500 oficiais, que reafirmaram o apoio à já aprovada lei 7/74: “reconhecimento por Portugal do direito dos povos à autodeterminação (...) com todas as suas consequências, inclui[ndo] a aceitação da independência dos territórios ultramarinos”.
Já com Spínola fora de cena, foi acordado um cessar-fogo com o MPLA e com a FNLA (Outubro), e em Janeiro de 1975, após um encontro em Mombaça entre os três movimentos, iniciaram-se as negociações com o governo português, de que viria a resultar o acordo do Alvor, a 15 de Janeiro, regularizando e calendarizando o processo de independência. A delegação portuguesa era chefiada por Melo Antunes e incluía Almeida Santos, Mário Soares e o brigadeiro António da Silva Cardoso, do Governo de Luanda. Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi chefiavam as delegações dos seus movimentos. De fora ficaram os partidos dos colonos brancos e as cisões africanas, reconhecendo-se apenas os três movimentos principais: é nomeado um alto-comissário (António da Silva Cardoso assume o cargo, pois Rosa Coutinho, tido como profundamente comprometido com o MPLA, era olhado com hostilidade pelos outros dois movimentos) e um governo de transição (com membros de Portugal e dos três movimentos), tendo sido previstas eleições para uma Assembleia Constituinte em Outubro, e foi marcada a independência para 11 de Novembro. Contudo, o conflito estalou pouco depois.
Em Fevereiro de 1975, os combates iniciaram-se em Luanda, entre o MPLA de Neto e a facção de Chipenda, abrindo assim o ciclo de guerra civil. Os diferentes intervenientes procuraram recrutar partidários e apoios internacionais, envolvendo-se directamente o Zaire (em apoio à FNLA e, em parte, à UNITA), África do Sul (UNITA e facção de Chipenda) e Cuba (MPLA), e indirectamente as duas superpotências, EUA (FNLA e UNITA) e URSS (MPLA) e a China (FNLA).
Com o verão quente em Portugal, era já claro que a situação no terreno sofria uma escalada descontrolada de violência e a administração portuguesa, com escassa margem de manobra quer no campo militar, quer no campo diplomático, concentrou-se na retirada das tropas nacionais e no apoio aos refugiados. Nesse verão, organizou-se uma verdadeira ponte aérea com participação de aviões militares e comerciais, e chegaram ao pais mais de 200.000 “retornados” de Angola.
Cartaz do MPLA comemorativo da proclamação da independência de Angola
Foi nestas circunstâncias confusas que, no dia acordado no Alvor para a transferência de poderes, Portugal abandonou o território. Nesse mesmo dia, o MPLA proclamou, em Luanda, a independência da “República Popular de Angola”, a UNITA proclamou, em Huambo, a “República Social Democrática de Angola”, e a FNLA, em Ambriz, a escassos 160 kms de Luanda, proclamou a “República Democrática de Angola” (FNLA e UNITA aliaram-se no final desse mês e proclamaram o seu governo de coligação no dia 23, com sede em Huambo). Por sua vez, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), que tinha sido excluída das negociações, proclamou em Paris a “República de Cabinda”. No imediato, Portugal não reconheceu nenhuma das independências, vindo mais tarde, já após uma certa pacificação no plano politico nacional com o 25 de Novembro, a reconhecer o governo do MPLA, em Fevereiro de 1976.
Acta do Conselho da Revolução sobre o reconhecimento da República Popular de Angola.